Doutora em Direito Caroline Müller Bitencourt detalha sobre as principais discussões da política brasileira atualmente: Constituição Federal, partidos políticos, fundo eleitoral e coligações
A política é uma pauta constante entre as rodas de conversa, adorada por uns, odiada por outros, mas essencial que seja discutida e compreendida.
Professora de Direito Constitucional, Caroline Müller Bitencourt entende como ninguém sobre o que permeia a constituição federal e a política brasileira.
Natural de Colorado, casada com o Fernando, da eterna dupla Fernando e Motta, Caroline é professora do Doutorado, Mestrado e atua na chefia de departamento do curso de direito na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).
Apaixonada por dar aula e discutir pautas relacionadas ao direito, ela explicou em uma entrevista a Rádio Cidade e ao Jornal o Alto Jacuí, muitos pontos pertinentes a esse ano de eleição.
“O debate do controle social, das políticas públicas, a importância do conhecimento e participação da sociedade no desenvolvimento das ações e do poder administrativo, são pautas da minha área de especialização. A docência tem o meu coração”, afirmou.
O primeiro destaque de Caroline é o quanto a sociedade ainda não olha para a Constituição Federal como um instrumento de cidadania.
Ela observa que a constituição é olhada de uma perspectiva jurídica, mas deveria ser percebida como uma fonte de buscas pelos direitos e garantias fundamentais.
“A constituição nos diz como buscar esses direitos frente ao poder público. É a forma que nos protege contra a arbitrariedade estatal, nos coloca dentro de um projeto coletivo”, explica. Para ela, quanto mais a Constituição tem força, mais se torna uma necessidade.
“O direito constitucional é o coração do direito, ele direciona para todas as outras áreas”.
Carolina lembra que a Constituição Brasileira é comparada com outras constituições, no entanto, é difícil realizar comparações quando cada constituição é formada com base em diferentes modelos de sociedade.
“O Brasil tem um complexo de inferioridade, busca sempre fora da realidade alguns entendimentos, quando na verdade tem que fazer uma construção própria. Temos que entender a formação do Estado, dos partidos políticos, do modelo de presidencialismo, entender o porquê dos elementos da constituição”, explanou.
Demonização da política
Na visão de Carolina o Brasil passa por um processo democrático dividido em dois movimentos, o a-político e o antipolítico.
O a-político é caracterizado por quem diz que a política não faz sentido nenhum, que não afeta nenhum aspecto e que não funciona.
O antipolítico, carrega o discurso que tudo o que vier da política é ruim e errado. “Não dá para viver em qualquer sistema do mundo sem que haja de fato política e partidos políticos. Me preocupa a demonização da política. Temos que desenvolver a democracia, ter políticos comprometidos, A população tem razão em estar decepcionada, mas de fato não tem como fazer democracia sem política”, afirma.
Para que esse cenário mude é necessário repensar a estrutura dos partidos, fazer com que eles sejam mais transparentes e democráticos, para que a população tome decisões efetivas.
Financiamento partidário e Fundo Eleitoral
Uma das indignações de uma parcela da população é o Fundo Eleitoral, que nas eleições deste ano chega a mais de R$4 bilhões de reais.
Carolina observa que há uma confusão entre o financiamento político, que existe há mais tempo, e o fundo eleitoral, que é destinado para a manutenção dos partidos.
O fundo partidário serve para que os partidos consigam manter suas legendas, ter funcionários e arcar com contas como aluguel e investimentos em publicações nas redes sociais.
Já o fundo eleitoral, foi criado em 2017 após a proibição de doação de pessoas jurídicas a campanhas, possibilitando assim que as campanhas de diferentes candidatos acontecessem.
“O fundo eleitoral é necessário, pois se não um candidato de bairro, que tem o pé na comunidade, que não tem tradição na política, não vai conseguir alcançar visibilidade. Assim não terá renovação. Se não tiver a possibilidade de financiar, a tendência é ter a manutenção dos políticos mais conhecidos”, explica.
O que assusta e é o motivo de discussão segundo Carolina, são os valores destinados a esse fundo eleitoral que saiu de 1,7 bilhões no primeiro ano para 4 bilhões.
A ideia de ter um financiamento público é possibilitar que pessoas que não estão em condições privilegiadas possam ser conhecidos na comunidade e no meio político.
“O questionamento fica quanto aos valores investidos, a fiscalização adequada do emprego desses valores, para que seja em prol da democracia e não ao privilégio dos candidatos e legendas”.
Reforma dos partidos
Na visão de Carolina, é necessário que haja uma reforma dos partidos políticos, nos estatutos e uma melhor definição de suas ideologias e linhas de defesa.
Isso é necessário para que os filiados não se tornem apenas números, mas que possam contribuir com as decisões.
“É importante que se entenda que a democracia vai sendo aperfeiçoada, não tem como ter um modelo que se encaixe de uma forma perfeita. Ao fazer a crítica à democracia a gente vai encontrando esses aperfeiçoamentos”, observa.
Voto proporcional e voto majoritários
Um tema que interessa a toda a população, são os conceitos e como funciona na prática o voto proporcional e o voto majoritário.
Carolina explica que os votos majoritários são aqueles que o resultado da eleição depende de quem tiver mais votos. São os casos do presidente, governadores dos estados, senadores e prefeitos.
Já o voto proporcional, que refere a vereadores e deputados estaduais e federais, o resultado depende do coeficiente eleitoral e partidário.
Cada coeficiente que o partido atinge na votação, tem a possibilidade de colocar o candidato mais votado na legenda.
“Para exemplificar isso vamos lembrar da eleição do Tiririca, que ao ser eleito com mais de um milhão de votos ele levou deputados com pouca expressividade junto. O impacto desse formato é na quantidade e qualidade de candidatos que um partido pode colocar. Em muitos casos os candidatos atingem muitos votos, mas o partido não atingiu o coeficiente e acaba não entrando”, explica.
Coligações e federações
A lei que permite agremiações entre os partidos, aprovada e com uma tramitação rápida no Congresso, é uma das formas que segundo Carolina, representa uma busca pelo resgate da identidade dos partidos.
“Essas federações me causam um certo sentimento contraditório, tenho a sensação que elas surgem para burlar a proibição de coligações de partidos políticos na proprorcional”, observa.
A vantagem da nova legislação é que a agremiação dos partidos passa a ser obrigada por quatro anos, e não apenas para a eleição de um candidato.
Na prática isso evitaria a disputa e brigas políticas por cargos. Para as eleições deste ano já são três federações que foram apresentadas, a Federação Cidadania, que une os partidos PSDB e o Cidadania.
A federação Rede PSOL, que une o PSOL e o Sustentabilidade, a federação União Brasil, e a federação Esperança, que é a união do PCdoB, do PT e do Partido Verde. “Essa aglutinação dos partidos pelas suas ideologias deve durar pelo período de quatro anos”, afirma.
Em relação aos vereadores que faziam parte ou do Democratas ou do PSL, que a partir da fusão passaram a ser a União Brasil, Carolina explica que devido a regra da fidelidade partidária, eles terão que ficar no partido por pelo menos quatros.
“Isso é para impedir a infidelidade partidária, evitar que o deputado se eleja graças ao partido e depois troque de sigla por interesses pessoais. Nesse caso especifico os vereadores que agora são do União Brasil foram pegos de surpresa”, explicou.