12 de abril, 2023 20h04m ibirubá por Cristiano Lopes - Redação Integrada Rádio Cidade e Jornal O Alto Jacuí

Oferendas religiosas deixadas em esquina geram debate sobre diversidade religiosa em Ibirubá

O cruzamento da Avenida General Osório com a Rua Mauá, tem sido notícia em Ibirubá nos últimos dias. Oferendas religiosas de expressões de matriz africana geraram polêmicas e discussões sobre o uso do espaço publico e a tolerância religiosa

Mãe Tatiane de Oyá tem o seu Ilê em Ibirubá a quase 10 anos.
Mãe Tatiane de Oyá tem o seu Ilê em Ibirubá a quase 10 anos.

O cruzamento da Rua General Osório com a Rua Mauá tem sido notícia em Ibirubá nos últimos dias. Oferendas religiosas de expressões de matriz africana, deixadas no mesmo local do cruzamento e em dias diferentes, geraram debate nas redes sociais e suscitaram a necessidade de entender qual o fundamento dessas oferendas, sua função religiosa e como esse tema dialoga com a diversidade cultural e religiosa de Ibirubá.

A primeira constatação é que se há a prática de oferendas, é porque existe uma expressão religiosa presente no município. Portanto, dialogar sobre o assunto não pode ser pautado pela intolerância religiosa, mas pelo entendimento e o respeito ao espaço público e a coletividade.

A Mãe de Santo Tatiane de Oyá, dirigente espiritual do Ilê Ogum e Oyá que é uma casa religiosa de matriz africana em Ibirubá, também acredita que o caso em questão não representa a forma mais correta de realizar uma oferenda, mas não condena quem o faz. 

Ela conta que as oferendas de cruzeiro, ou seja, encruzilhadas e cruzamentos na sua casa são feitas para movimentar o comércio e os caminhos das pessoas. “É importante que haja um movimento e, por isso, vamos aos cruzeiros e fazemos tudo conforme o necessário. Infelizmente, algumas pessoas têm a ideia errada de que as oferendas em encruzilhadas e cruzeiros são para fazer maldade, mas não é assim. As oferendas são feitas para abrir caminhos, seja para a pessoa ou para a minha casa de religião”, explica.

Ela destaca que na religião que pratica sempre que faz uma oferenda no cruzeiro, não deixa garrafas, carteiras de cigarro, bandejas ou sacos plásticos poluindo o meio ambiente. “Uso muita folha de mamoneira para não deixar exposto, e tento colocar em um lugar mais discreto do cruzeiro, para que não haja tumulto ou qualquer problema. Não deixo nada que possa prejudicar as pessoas que frequentam a região”, detalha.

Sobre a polêmica das oferendas deixadas na General Osório com a Mauá, a Mãe de Santo afirma não ter conhecimento de quem fez e defende que a maneira que foi feita não foi correta: “Não podemos garantir que tenha sido feita por alguém de nossa religião. Cada um tem seu fundamento e suas crenças, e a maneira como foi feita não foi de acordo com o que acreditamos. A nossa casa não faz oferendas dessa maneira, deixando garrafas, bandejas e tudo exposto no chão. É importante que sejam feitas com respeito e cuidado, para que não haja problemas”, ensina.

Ela conta que sua casa tem quase uma década de atividade em Ibirubá. Localizada na Rua Ernesto Wilms, sua terreira conta com 25 filhos de santo e recebe nas giras e doutrinas outras dezenas de pessoas que buscam conhecer e praticar a umbanda em Ibirubá. 

“Acreditamos que seja importante ajudar essas pessoas a aprender mais sobre a nossa história e o nosso culto. Mostrar que a nossa religião não é o que foi pintado há tempos atrás, que o macumbeiro é um ser humano, e que a nossa religião tem muito a ensinar e a oferecer. Fazemos oferendas com cuidado e respeito, sem desperdiçar nada e sempre tentando doar as carnes e outras coisas para que não haja desperdício ", relata.

A umbandista conta que a sua,  não é a primeira casa de Umbanda em Ibirubá, que há mais de 40 anos já existem relatos de expressões religiosas de matriz africana no município. “Existia em Ibirubá uma senhorinha chamada Dona Barbosa, que tinha uma terreirinha, ou seja, um pequeno templo religioso onde ela praticava sua religião de matriz africana. Dona Barbosa trabalhava muito, mas sempre escondida, porque na época sua prática religiosa era alvo de preconceito e discriminação”, relembra.

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Essa informação sugere que, apesar das dificuldades, a prática da religião de matriz africana em Ibirubá persistiu ao longo do tempo, mesmo que de forma mais restrita e discreta. Hoje em dia, a situação parece ter mudado bastante, conforme a mãe de santo destaca: "Não há mais motivo para se esconder ou se esquivar", afirma. Ela destaca que juntamente com seu irmão de santo, registraram suas casas religiosas na União Santamariense e praticam sua religião sem medo de perseguição. 

O caso das oferendas em via pública desafiam a exercitar de ambos os lados a tolerância religiosa e também o entendimento que somos um país laico, de uma diversidade religiosa gigantesca, e portanto é preciso dizer que o local e a forma podem ser ofensivos ou chocantes para aqueles que não seguem a mesma religião. As boas práticas da convivência fraterna e respeitosa apontam para a necessidade de  procurar locais apropriados para fazer oferendas, como santuários naturais ou outros espaços específicos. Quem defende essa questão é o Babalorixá Evandro Paes, sacerdote da Casa de Axé Reino de Xapanã em Cruz Alta. Ele também é presidente do recém criado Conselho Municipal dos Povos de Terreira da cidade vizinha. Segundo ele  é importante lembrar que muitas pessoas passam por esses locais frequentemente e podem não compartilhar a mesma crença religiosa. 

“É preciso respeitar todas as crenças e praticar a religião de forma consciente, sem prejudicar os outros ou o meio ambiente”, enfatiza. Ele diz que esse tema já é observado nas oferendas dos povos de terreira em Cruz Alta que por lá sempre que possível são buscados locais apropriados para não poluir os espaços públicos sem perder o fundamento e as características de cada orixá e cada entidade. “A oferenda ou o trabalho são para o campo espiritual, o que é da encruzilhada pode ser feito em qualquer local que seja ponto de encontro de três ou mais caminhos, não precisa ser na avenida mais movimentada da cidade”, esclarece. Ele finaliza apontando sobre a busca de outros elementos naturais que correspondam à energia do guia ou orixá em questão. “O importante é praticar a religião com respeito ao livre-arbítrio de cada um e com amor pelo próximo”, finaliza.

Uma alternativa seria buscar o diálogo entre as autoridades e as comunidades religiosas, para encontrar soluções que respeitem a liberdade religiosa e os direitos da população. A liberdade religiosa deve ser garantida, mas é necessário pensar no espaço público e em locais específicos para essa questão.

A diversidade religiosa é uma riqueza cultural do Brasil e deve ser respeitada e valorizada. O diálogo entre as diferentes crenças pode ajudar a diminuir a intolerância e o preconceito religioso. As comunidades religiosas também devem se conscientizar da importância de serem responsáveis e cuidadosas ao realizar suas práticas religiosas em locais públicos, sem prejudicar o meio ambiente e sem ferir os valores e crenças de outras pessoas. 

Intolerância religiosa é crime que pode ser enquadrado no art. 140, § 3º , do Código Penal, e sua prática é contrária à liberdade de crença assegurada pela Constituição Federal, que em seu art. 5º, inciso VI, dispõe: “ é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, proteção aos locais de culto e suas liturgias.

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