
Ela não carrega apenas caixas no caminhão: carrega histórias, coragem e um sonho antigo. Eliani Orlikzek, motorista profissional há oito anos, mostra que o volante também pertence às mulheres. Com trajetos diários pela região do Alto Jacuí, ela compartilha desafios e conquistas de uma vida na boleia.
O dia ainda amanhecia quando Eliani Orlikzek girou a chave do caminhão. O motor roncou como um velho amigo que entende de jornada, e a estrada diante dela, já conhecida, parecia cumprimentá-la em silêncio. Natural do interior de Não-Me-Toque, a motorista de 44 anos não transporta apenas mercadorias. Carrega lembranças, luta e a convicção de que mulher tem, sim, lugar na boleia.
"Desde pequena, quando meu pai vendia pêssego na beira do asfalto, eu via os caminhões passando e dizia: 'Um dia eu vou dirigir uma carreta'. Meu pai dizia que eu era louca", conta, com o riso de quem venceu.
Antes de conquistar o asfalto, Eliani passou 17 anos em uma fruteira, lidando com frutas e fregueses. Mas havia algo nela que não descansava. Um dia, decidiu tirar a carteira de ônibus. Tentou trabalho na região, mas não lhe abriram as portas. "Diziam que eu não tinha experiência. E ainda era mulher."
Foi então que Eliani decidiu partir. Pegou as duas filhas pela mão e seguiu para Caxias do Sul. Em nove dias, estava contratada como motorista de ônibus. "Fiquei quatro anos na Visate. Lá tem mais mulheres motoristas. Perdi o medo do trânsito. Foi minha escola."
De volta ao interior, encontrou em Ibirubá a chance de mudar de marcha de vez. "Comecei a trabalhar com o Milton Kunz, na Transportadora Kunz. Hoje dirijo caminhão baú e não troco por nada. Quando consegui, chorei de alegria. Achei que não ia mais dar. Comecei com quase 40 anos."
Mas os desafios nunca ficaram no retrovisor. "Na estrada, muita gente ainda se espanta. Ligo para avisar da entrega e me respondem: 'Sim, senhor'. Quando chego, digo: era eu no telefone. Ficam sem acreditar."
Em ruas estreitas, nos becos das cidades, Eliani vira espetáculo involuntário. "Dou ré no caminhão, e logo saem todos nas janelas achando que vou bater. Quando veem que é uma mulher, desacreditam ainda mais. Aí é que mostro que sei fazer."
Com entregas porta a porta em Cruz Alta, Carazinho, Ibirubá e redondezas, Eliani leva de tudo um pouco: roupas, eletrodomésticos, placas solares. Nem sempre há ajudante. "Descarrego sozinha muitas vezes. Aprendi na prática. Boto no joelho, seguro com a perna e vou baixando."
Seu amor pela profissão é inabalável. "Já tentei sair. Fui fazer coleta de água, dirigi carro pequeno, mas não era para mim. Em 15 dias, pedi para sair. Quando tu gosta do que faz, não consegue trocar."
Hoje, mais do que motorista, Eliani é símbolo de persistência. "Falta motorista no mercado. E mulher pode fazer também. Só precisa coragem e apoio da família. O resto se aprende."
Com fé em São Jorge e pensamentos positivos, ela conduz mais que um caminhão. Conduz um ideal. "Se tu sai pensando positivo, tudo flui. Se pensa negativo, nada anda."
Assim, enquanto muitos ainda duvidam do que ela pode fazer, Eliani já passou — firme, confiante e com um leve sorriso no rosto.